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Aquela havia sido uma noite acompanhada de uma melodia caótica causada pelo mar e pela chuva e ventos da tempestade lá fora, competindo entre si para quem era mais barulhento e eu e minha avó Marina éramos os únicos em casa antes de meu pai chegar do trabalho. Como todos os nossos finais de tarde, eu estava sentado no tapete da sala, cercado pelos meus brinquedos e almofadas ouvindo as histórias de minha avó e claro, a única coisa que poderia ter nos interrompido só poderia ter sido a chegada nada discreta de meu pai, quase empurrado pelo vento para dentro de casa, encharcado e com o cansaço evidente no seu olhar mas, mesmo assim, ele nos saudou com um grande sorriso no rosto. Sua chegada também significava que era hora da vovó ir e como de costume, nos despedimos com muitos abraços e beijos antes dele levá-la para casa. Muitos dias da minha infância foram como aquele e por isso, eu não tinha ideia que naquela noite, minha vida viraria completamente de cabeça pra baixo e o quanto eu me arrependeria por não ter abraçado meu pai uma última vez.
No caminho para a casa da minha avó, o carro de meu pai acabou caindo no mar em uma das perigosas curvas do Morro da Fumaça, em uma de suas famosas estradas que beiravam o mar, sendo aquele um bom ponto para assistir o pôr do sol mas, também um lugar extremamente propício a acidentes. Milagrosamente, minha avó havia conseguido se salvar e nadar até a superfície, mesmo com o mar agitado pela tempestade mas, infelizmente, meu pai não teve a mesma sorte. Quando minha mãe recebeu a notícia, ela viajou de madrugada do seu trabalho na capital para a nossa cidade por mim e desde então, não houve um momento sequer que eu sai do lado dela. A cidade inteira se comoveu com um acidente e morte tão trágicos e repentinos de alguém tão querido e conhecido por todos e com tudo isso acontecendo, sequer imaginamos que o inferno ainda estava por vir com a saída de minha avó do hospital com uma inesperada acusação. Minha avó contou à polícia que ela e meu pai estavam sendo perseguidos na noite do acidente por um grande carro preto e que tentando despistá-lo, meu pai acabou jogando o carro morro abaixo. Numa cidadezinha como Costa Branca, somente uma família poderia ter um carro como aquele e estes eram os D’Anthes, donos de Aster, o Aquário e Observatório Marinho, o negócio de anos da família de minha mãe e o mais bem sucedido da cidade, onde meu pai trabalhava desde o seu casamento com a minha mãe. Aquelas foram acusações gravíssimas que por mais absurdas que fossem, convenceram o povo facilmente, começando logo uma onda de boicotes ao aquário, protestos pela falta de atualizações das investigações, e revolta contra todos nós, a um ponto que nós mal podíamos sair de casa tremendo ataques da população. Segundo a história de minha avó, a maior motivação para mandarem matar meu pai era o seu trabalho pois desde que ele assumiu a gestão do aquário, as brigas de família foram todas motivadas pelos constantes problemas que ele tinha com o governo, que desaprovava os programas de preservação da vida e habitat marinho, já que tais programas exigiam muita verba e a troca de informações entre Aster e o governo, fazendo com que diversas vezes eles se recusassem a investir mais do que eles já faziam em Aster por culpa do meu pai. Essa situação levou minha mãe a tomar uma drástica decisão: Abandonar Costa Branca, me levando para longe de todo aquele caos e de minha avó, que segundo ela, com todo o apoio que estava recebendo de toda a cidade, haveria de ficar muito bem sem nós, a taxando como uma louca e ingrata.
Depois de nos mudarmos, eram poucas as notícias que eu recebia de Aster e o contato com a minha avó havia sido completamente cortado mas, graças aos feitos e escolhas de minha mãe, cresci com tudo do bom e do melhor, vivendo uma juventude digna dos sonhos de qualquer um. Mas. foi quando completei 19 anos que decidi que queria voltar a Costa Branca, ainda atormentado pelo passado e disposto a esclarecer todas as minhas dúvidas sobre o que realmente havia acontecido na morte do meu pai e o que levaria minha querida e tão amada avó a fazer uma acusação tão grave, quase acabando não só com a vida dos D’Anthes mas, também com a minha. Eram muitas as coisas que eu queria entender, ver e ouvir por mim mesmo e eu genuinamente acreditava que somente eu, a ponte entre os dois lados da história poderia ser capaz de descobrir a verdade e assim, eu parti.
Costa Branca era uma cidadezinha litorânea com praias paradisíacas, recifes de coral e areia branca que nomeava a cidade, além de seus muitos penhascos mortais, os quais colecionavam desde os tempos dos meus avós histórias sobre mortes terríveis e almas amarguradas que vagavam pelos penhascos e pelo mar. Uma verdadeira cidade assombrada e amaldiçoada. Não havia alma viva ali que não se conhecesse e apesar da coleção de tragédias e acidentes, sua população era constituída das mesmas famílias há séculos, sendo então muito tranquila, exceto pelos jovens e suas tradições de explorar e fazer festas nos penhascos e rochedos a noite. Seu principal negócio sempre havia sido a pesca e mais tarde, Aster, que como muitos diziam, salvou Costa Branca da onda de má sorte que as constantes tragédias traziam. Aster despertou o amor de muitos pelo oceano e eu culpo este totalmente pelo meu, meu sonho desde criança sempre foi ser um oceanólogo e seguir essa carreira era o meu objetivo depois de cumprir a minha última missão em Costa Branca, podendo enfim dar adeus para aquela cidade para sempre.
Me hospedei em um hotel qualquer no centro da cidade e no dia seguinte da minha chegada, cumpri o único pedido que minha mãe havia me feito para a minha viagem: Visitar meu avô em Aster. Por volta do horário do almoço, segui até o fim da bela e agitada marina de Costa Branca até o aquário, que estava exatamente como eu me lembrava. Eu conhecia muito bem aquele lugar e por sorte, o escritório do meu avô era bem nos fundos, me obrigando a ter que passar por quase todos os tanques e atrações para chegar lá, o que me permitiu matar toda a minha saudade. Fui despertado do meu transe olhando para os tanques quando ouvi uma voz rouca chamando pelo meu nome, seguida da visão daquele homenzinho parrudo de terno vindo até mim de braços abertos e me envolvendo no mais forte e desconfortável abraço que recebi em tempos. No vai e vem de atualizações sobre nossas vidas, contei a ele meus planos de estudar oceanologia e recebi muito apoio de sua parte, para a minha surpresa. Apesar de saber que meu avô nunca foi nenhum megero, me surpreendeu saber que era algo longe de seus princípios dar a entender que eu estava destinado a trabalhar e viver por Aster, como grande parte da família. Para mim, ele era um homem admirável e quanto mais conversávamos, mais absurda a ideia que ele poderia ter encomendado a morte de meu pai parecia.
Nada de muito útil para a minha investigação saiu da nossa conversa e por isso, eu haveria de descobrir logo por onde começar. Decidi continuar andando pelo aquário e pelo observatório até pensar em alguma coisa, quando dei de cara com a garota mais linda que eu já havia vi em toda a minha vida, eu mal podia tirar os olhos dela, tão encantadora e hipnotizante quanto toda a vida ao nosso redor, observando os animais e corais com um olhar cheio da mais pura paixão. Não pude resistir e fui me aproximando aos poucos até poder dizer o que ela tanto olhava aquário a dentro para eu poder puxar assunto sobre e quando eu estava prestes a abrir a minha boca, ela olhou para mim, perguntando se ‘por algum acaso’ eu era Oliver D’Anthes, neto da Marina, me pegando completamente desprevenido e a única coisa que eu pude perguntar era como ela sabia quem eu era, afirmando ter ouvido meu avô me chamar assim. Não tinha o que eu pudesse negar e assim, ela se apresentou como Emma Stern, contando que ela havia ouvido falar muito de mim com a minha avó. Aquela era a minha chance não só para chamá-la para tomar um café comigo mas, talvez para descobrir algo sobre a minha avó ou pelo menos onde e como ela estava para que eu pudesse enfim vê-la e assim fiz.
Chegando lá, fui muito sincero com Emma, afirmando que se ela sabia quem eu era, ela deveria saber das condições que eu havia deixado Costa Branca, explicando que por conta justamente disso, tudo que eu queria agora era consertar as coisas, por mais que não acreditasse nas acusações da minha avó sobre a minha família, eu não achava que era era uma louca como todos diziam e queria esclarecer as coisas entre nós e se necessário, descobrir a verdade sobre o que realmente havia acontecido. Depois de um longo suspiro, Emma confessou ter temido de que eu tivesse me tornado mais um daqueles certos de que minha avó era a louca da história e por isso, estava planejando pedir para que eu não a procurasse pois ela estava passando por um momento muito delicado de sua vida e que ela só se machucaria com tudo aquilo mas, agora, seu coração estava leve com o quão sinceras minhas boas intenções soavam.
Emma então revelou que nós tínhamos um propósito em comum em Costa Branca e que assim como eu, ela havia começado uma investigação por si só, já que o caso da minha avó havia sido esquecido por Costa Branca e suas autoridades. Ela tirou de sua bolsa vários jornais falando de Aster e que há um tempo atrás, alguém de confiança do meu avô havia vazado para a mídia provas de que eles não estavam cumprindo certas condições para com a vida marinha, ou seja, negligenciando a causa que meu pai lutou e brigou tanto para proteger. As medidas tomadas por eles além de prejudicarem o meio ambiente, acabaram gerando muito lucro para Aster e de acordo com as tais provas, datavam pouco depois do acidente de meu pai, sendo a sua ausência a única coisa que permitiria tal coisa e isso fez que assimilassem esse escândalo com a morte do meu pai. Eu estava completamente em choque, nunca havia ouvido nada disso nem sequer da minha mãe, só assim me dando conta do quanto ela havia me isolado tudo aquilo, pois eu não fazia idéia de nada daquilo. Agora, comigo ali, Emma fez um pedido ousado, ajudá-la a encontrar o ‘traidor’ de Aster, certa de que ele talvez pudesse ter provas do que poderia ter realmente acontecido no passado se não, pelo menos expor ou impedir uma tragédia ambiental por culpa de Aster. Por mais que as provas estivessem bem ali diante de mim e a verdade jogada na minha cara, não pude deixar de me sentir culpado por estar praticamente aceitando agir contra a minha própria família mas, havia muito em jogo ali, mesmo se eles fossem provados inocentes, se eu pudesse evitar que um desastre natural acontecesse, eu faria sem hesitar, não importa quem isso prejudicaria. Eu estava decidido e assim, eu e Emma nos unimos.
Ela afirmou que antes de qualquer coisa, eu devia ver a minha avó e deixá-la saber das minhas intenções e sobre o que eu sentia pois durante todos esses anos, não houve um dia sequer que ela não pensou ou rezou por mim. Tomei coragem e aceitei a sua proposta e nós seguimos juntos no carro que meu avô havia alugado para mim para onde minha avó vivia atualmente, um asilo, já que não havia sobrado ninguém para cuidar dela e ela não tinha mais condições de viver sozinha. Emma contou no caminho ter conhecido e se aproximado dela enquanto ela era voluntária no hospital da cidade e lá, minha avó contou a ela sobre toda a sua vida, meu pai e especialmente sobre mim, o seu querido netinho. A doçura e amor que Emma falava dela aqueciam o meu coração e me aliviava saber que apesar de tudo, ela estava amparada por alguém como Emma. Eu a deixei saber disso e também da minha culpa das coisas terem levado o rumo que levaram para ela em Costa Branca mas, ela me tranquilizou afirmando que nem tudo entre eu e minha avó estava perdido e que nós ainda tínhamos tempo para esclarecer tudo que havia acontecido entre nós e muito a recuperar e viver.
Estacionamos na frente do asilo no centro de Costa Branca e Emma sugeriu que nós levássemos minha avó para um café ou até mesmo a praia para conversarmos já que ela raramente saía para algum lugar assim e eu concordei, decidindo esperar por elas ali fora. Esperei um bom tempo por elas e quando estava prestes a entrar no asilo atrás delas, Emma saiu correndo desesperada lá de dentro, gritando ainda de dentro do portão que alguém tinha levado minha avó de lá, afirmando ser o seu neto Oliver há algumas horas e assim, comecei a me desesperar. Ela voltou correndo para dentro dizendo que iria chamar a polícia pelo telefone da recepção do asilo e antes que eu pudesse ir atrás dela, ouvi uma cantada de pneu virando a esquina seguida de um táxi descontrolado vindo na minha direção. Em uma questão de segundos, me joguei para longe do portão do asilo para onde o carro estava vindo, me salvando por muito pouco de um acidente mortal. A rua inteira parou em choque enquanto eu estava no chão sem reação tremendo da cabeça aos pés, sendo despertado do meu estado de choque por Emma gritando por mim enquanto vários curiosos se aproximavam. Logo, a polícia e ambulâncias já estavam no local, ajudando a mim e aos dois feridos do carro, o motorista e uma passageira ainda não identificada. Emma esteve a todo momento ao meu lado, preocupadíssima mas, nosso alívio por nada de grave ter me acontecido não durou muito tempo pois um policial de repente veio até nós, com a surpreendente notícia de que a passageira do táxi não era ninguém mais do que a minha avó Marina.
Pânico tomou a mim e a Emma, que me aconselhou a acompanhar minha avó na ambulância enquanto ela seguiria de carro pro hospital. Assim nós nos separamos. Ver minha avó naquele estado a caminho do hospital partiu o meu coração e eu não podia deixar de me sentir culpado por tudo que estava acontecendo, os únicos que sabiam que eu estava em Costa Branca eram a minha família e justamente quem eu e Emma estávamos investigando naquele exato momento. A possibilidade de que sangue do meu sangue poderia estar tramando contra mim ou tentando me prejudicar de alguma forma, mentindo e agindo com o meu nome não entrava na minha cabeça. Chegando no hospital, minha avó seguiu direto para a emergência e eu fui orientado a esperar por notícias dela na sala de espera e lá, eu mal conseguia ficar parado, minha cabeça estava a mil e nada de Emma chegar depois de várias horas esperando. De repente, um homem assustadoramente pálido, muito alto e esguio adentrou a sala como uma verdadeira assombração, todo de preto e com alguns curativos na cabeça, mãos e com o braço esquerdo enfaixado. Senti seus olhos fixos em mim mas, sua presença intimidadora não me permitiu sequer encara-lo de volta e quando ele chamou por mim, me arrepiei dos pés a cabeça, olhando diretamente para aqueles intimidadores olhos negros como a noite e para aquele sorriso cinico, me perguntando se eu era o neto da senhora vitima do acidente de carro no centro da cidade.
Hesitante, confirmei. Ele era o motorista do táxi que minha avó estava, o que me pegou completamente desprevenido, pois julgando pela aparência de seus ferimentos, nada comparados com a proporção do acidente. Depois de nos sentarmos, sua carranca assustadora se derreteu em um homem beirando uma crise de choro como uma criancinha, me pedindo perdão desesperadamente e declarando o quão culpado ele estava se sentindo pelo acidente, deixando escapar que aconteceu pela minha avó ter começado a gritar e espernear no que parecia ser um surto psicótico dentro do seu táxi, o fazendo perder o controle do volante. Segundo ele, ainda em prantos, um homem chique de terno havia colocado minha avó no táxi e dado a ele o endereço do asilo na frente da delegacia de Costa Branca e no caminho de volta, minha avó já agitada o contou sobre como ela havia sido traída pela sua ‘garotinha’ e que enfim ela havia se dado conta que durante todo aquele tempo, eles a tiveram na palma de sua mão, colhendo de pouco a pouco provas de que ela era uma louca e desequilibrada, trabalhando para os seus inimigos e planejando um fim muito pior do que o que seu filho tinha tido. Desde o começo, tudo aquilo se tratou de um complô contra minha avó. Minha cabeça começou a girar com toda aquela história, eu mal podia acreditar no quão absurdo e sem sentido aquilo soava, pensar que Emma poderia estar tramando contra nós e nos usando desde o começo a mando do meu avô ou de seja lá quem fosse me desesperou e por isso, entrei em negação, era impossivel que alguem pudesse ser capaz de mentir e agir assim, por mais que eu pudesse ver algum sentido em suas palavras. Não sabia o que pensar e aquele desespero me impediu de segurar minhas lágrimas, me sentindo mais uma vez sozinho, perdido e usado, fazendo o homem me consolar colocando sua mão sobre o meu ombro.
Ele dizia que entendia como eu estava me sentindo, já que ele mesmo já tinha passado por algo semelhante, onde quando ele mais precisou de apoio, todos viraram as costas para ele enquanto alguém se beneficiava às custas da sua desgraça. Ele então me contou uma história absurda sobre como sua irmã mais nova sempre o invejou e torceu pelo seu mal por ele ser o herdeiro da herança de sua família, levando ao ponto dele ser deserdado e abandonado por todos que amava, enquanto ela tomava tudo que era dele por direito. Depois de perder tudo e passar por tudo de ruim que um ser humano pode passar, seu objetivo era fazê-la pagar pelos seus feitos e por tudo que ele passou por causa dela. A raiva em suas palavras me fez engolir seco e me deixou sem palavras e para piorar a minha situação, ele olhou no fundo dos meus olhos e se entregou.
– Eu tenho quase certeza que a mesma garotinha que estava te ‘ajudando’ a descobrir a verdade sobre a morte do seu pai é a minha irmã, Emma Stern.
Bingo. Por mais apavorado que eu estivesse, eu não tinha sequer mencionado o fato de eu conhecer Emma e as únicas pessoas que sabiam sobre as minhas investigações eram minha mãe e Emma. Com a minha voz trêmula, inventei que precisava tomar um ar para colocar minhas ideias no lugar e depois de sair da sua visão, corri para a recepção do hospital mas, no caminho, dei de cara com o médico da minha avó procurando por mim, avisando que eu enfim poderia vê-la, tal notícia encheu meu coração de alegria e esperança, sendo ela talvez a única pessoa que poderia me esclarecer aquela história mas então, eu fiz algo que me rendeu um arrependimento para toda a vida. Depois de agradecer ao médico e afirmar que eu iria sim, decidi contatar a polícia antes de ir vê-la. Contei aos policiais sobre toda a minha operação com Emma, a condições do acidente e as minhas suspeitas de ter um dos braços de Aster agindo e tramando contra mim no hospital de Costa Branca naquele exato momento depois dele tentar me matar em um acidente que a aquela altura, deveria ter sido forjado assim como ‘eu’ tr ido buscar minha avó no asilo mais cedo sabe-se lá para que. Depois me asseguraram que estavam a caminho, eu enfim parti em direção ao quarto de minha avó, encontrando ninguém mais do que o taxista em meu caminho. Ele contou alegremente que havia recebido alta, me desejando toda a sorte do mundo e que a justiça fosse feita, afirmando poder ver em mim a si mesmo, disposto a fazer o necessário pelo que é certo. Eu lhe desejei o mesmo e estendi minha mão para um aperto de mão, perguntando pelo seu nome que até agora eu não sabia, com os olhos fixos nos meus e com um sorriso que mudou drasticamente para um aterrorizante, ele respondeu ‘Ryujin Stern’, o mesmo sobrenome de Emma. Fui então surpreendido por um repentino abraço seguido da sua partida. Estava feito, ele já havia sido visto pelas câmeras, por mim e várias pessoas no hospital em seu estado, ele não haveria de ir tão longe a ponto de escapar da polícia tão facilmente.
Cheguei em seu quarto apreensivo mas, esperançoso das coisas finalmente estarem encaminhando para uma solução mas, a visão horrível que eu tive tirou do meu peito todo o meu fôlego e das minhas pernas a força. Minha avó imovel, com ambos os olhos arregalados e uma expressão de muita dor e sofrimento. Gritei o mais alto que pude por ajuda e assisti em prantos inúmeras tentativas de reanimar ela até enfim ser tirado do quarto por uma das enfermeiras. Enquanto esperava por uma resposta do lado de fora, não saia da minha cabeça que eu devia ter caído como um patinho nos planos de Ryujin. Se minhas suspeitas estiverem corretas e pelo menos parte do que ele disse sobre si e o seu passado fosse verdade, ele e os D’Anthes não estavam esse tempo todo querendo dar um fim somente a minha avó ou a mim mas, também a Emma, que não era só a irmã que Ryujin estava em busca mas, também a cabeça de toda uma investigação contra Aster e a minha família. Para piorar a situação, eu não fazia ideia de onde ela estava, temendo que algo terrível pudesse ter acontecido a ela também. Depois de receber a terrível notícia de que minha avó havia falecido, fui informado que dois policiais estavam à minha procura, me acusando de sequestrar e de assassinar Marina Howard por asfixia mecânica. Indignado e arrasado, eu gritei e esperneei pela minha inocência, sendo praticamente arrastado pelos dois até a viatura. A agitação no hospital havia sido tanta que eu só me dei conta da tempestade que caía lá fora quando nós saímos, ventos fortíssimos tornavam ficar de pé difícil e a água da chuva era fria e cortante. Foi quando em um piscar de olhos, ambos os policiais que estavam me segurando estavam nocauteados no chão em um único golpe. Quando virei para trás, dei de cara com Emma encharcada, descalça, com vários hematomas pelo corpo e com o vestido sujo de terra. Antes que eu pudesse reagir ou dizer algo, ela pegou as chaves das minhas algemas do bolso de um dos policiais enquanto checava se alguém tinha nos visto, me pedindo para ficar quieto enquanto entrávamos no meu carro estacionado a duas quadras do hospital. Chegando lá, eu comecei a gritar desesperado por uma explicação mas,quando olhei para trás, gritei pelo susto que tomei com Ryujin desmaiado no banco de trás todo machucado. Emma pediu para que eu me acalmasse que ela agora responderia todas as minhas perguntas e resolveria toda aquela situação de uma vez por todas, acelerando o carro para sairmos dali.
A estrada estava deserta por conta da tempestade e da hora e assim, ela contou que em nenhum momento ela mentiu para mim mas, assumiu que algumas coisas ela teve que esconder pela falta de certeza de que eu acreditaria em uma história tão absurda. Sua história começou anos atrás, quando Emma era ainda uma menina e sua família teve o seu negócio de pesca arruinado pela chegada de Aster e suas propostas de proteção à vida e habitat marinho mas, por sorte, sua família acumulou bens e dinheiro suficientes para que suas próximas gerações pudessem viver muito bem onde e como quisessem, bem longe da amaldiçoada Costa Branca. Cuidar de tal herança era muito importante para os Stern e ninguém na época viu em Ryujin, seu irmão mais velho e herdeiro, uma pessoa capaz de fazê-lo, sendo então deserdado por conta da impulsividade e falta de responsabilidade, além de muitas coisas horríveis que ele havia feito, fazendo de Emma a herdeira do legado da família. Para ele, Emma havia planejado toda a sua desgraça e por isso, nunca aceitou ou superou as consequências de suas ações, até que um dia, ele decidiu envenenar toda a família durante um jantar de reconciliação que ele mesmo havia pedido, acabando dolorosamente com a vida de todos e fugindo sem deixar rastros, Emma foi a única sobrevivente por ter se recusado a comparecer a reunião de família que seu irmão estaria presente. Desde então, Emma iniciou a sua caçada ao seu irmão, em busca de vingança e justiça pelos seus feitos. Ela levou anos para encontrar pistas do paradeiro do seu paradeiro, até descobrir que ele estava de volta a sua cidade natal, Costa Branca e no meio de suas investigações, Emma acabou conhecendo minha avó enquanto se voluntariava no hospital, onde elas se tornaram grandes amigas, empatizando uma com a outra depois de ambas terem passado por perdas terríveis no passado, tendo se envolvido então na investigação contra Aster e a busca pelo tal traidor que havia vazado as informações. Foi quando ela me encontrou e apesar de estar inicialmente certa de que eu estaria totalmente contra a minha avó, ela viu em mim, assim como eu nela, a chance perfeita de alcançar os seus objetivos mas, mal sabia ela que os D’Anthes, culpados pela morte do meu pai, estavam todos esses anos ajudando Ryujin Stern a se esconder em Costa Branca, crentes que ele ainda tinha algum acesso ao patrimônio de sua família, quando na verdade, ele estava planejando se vingar deles e expor a sua culpa no acidente do meu pai, acabando com Aster e com a vida de cada um deles, tendo descoberto tudo isso há algumas horas atrás.
Minha vinda para Costa Branca apavorou meu avô, temendo minhas intenções de reabrir as investigações assim que eu descobrisse sobre vazamento de informações de Aster e por isso, ele planejou com Ryujin não somente acabar com a minha avó em um acidente trágico mas, comigo também. O plano não era me matar, apenas forjar um crime horrivel que me levaria a prisão por um bom tempo, contando que pela vergonha, minha mãe não pagaria fiança alguma por mim. Ryujin esteve de olho em mim desde a minha chegada a Costa Branca e quando me viu com Emma, decidiu acabar com todos nós de uma vez só. Depois do ‘acidente’ do táxi e de eu e Emma nos separarmos, ele a atacou e Emma acabou desmaiando com um golpe na cabeça, Ryujin certamente pensou que ela havia morrido, decidindo então tendo colocá-la no banco de trás do meu carro e indo para o hospital atrás de mim e de minha avó. Depois de matar a minha avó e de me denunciar como o assassino da para as autoridades, Ryujin voltou para o carro para assistir a minha prisão, não contando que Emma havia acordado, sendo assim nocauteado do banco de trás, o deixando naquele estado. Emma estava prestes a ir atrás de mim quando ouviu os policiais falando sobre a denúncia de um neto matando a própria no hospital, completamente horrorizados com a situação, planejando então me resgatar para juntos, nós acabarmos com aquela história e trazer as nossa famílias a justiça definitivamente, já que jogando contra os D’Anthes, a justiça não haveria de chegar devidamente a quem devia e como devia.
Me senti em um verdadeiro filme de terror, tudo havia escalado para níveis que eu jamais imaginaria serem possíveis, tendo subestimado absolutamente tudo e todos ao meu redor, desde Emma até o que a minha família seria capaz para manter a sua reputação e império, fechando os olhos para as dezenas de vidas arruinadas que eles colecionavam em seu histórico. Emma, assim como eu e minha avó, éramos só três delas e eu não podia permitir que elas seguissem impunes depois de tudo que eu havia visto e descoberto. Emma decidiu que o melhor lugar para fazê-lo confessar seus crimes e entregar-nos as provas contra a minha família seria a praia, um lugar aberto e onde seria difícil para ele escapar deles. Chegando lá, a tempestade começou a dar uma trégua e o céu se iluminava com o brilho ainda fraco do amanhecer. Quando Ryujin acordou, ele começou a gritar histericamente enquanto ele se debatia mesmo com as pernas e braços amarrados. Não tive coragem de abrir a minha boca enquanto Emma exigia que Ryujin assumisse todos os seus crimes e ele desdenhava de Emma e de toda a situação sem nenhum remorso, quase como se ele estivesse se divertindo com a fúria de sua irmã, aquela cena despertou em mim tanto medo e desgosto que eu nunca mais senti nada parecido na vida. A raiva de Emma era quase palpável, segurando Ryujin pelos cabelos para manter os seus olhos nos dela. Ele então confessou toda a história que Emma havia me contado mas, de um ponto de vista completamente distorcido e psicótico, onde ele era a verdadeira vítima de toda aquela história, tendo feito tudo que fez por ser necessário para a sua sobrevivência e ser o que ele achava certo e Emma, já impaciente, seguia insistindo que ele entregasse as provas que precisávamos para provar os crimes dos D’Anthes. A mente perturbada e insana de Ryujin não poderia ser convencida tão facilmente, enquanto ele jurava que Emma jamais encontraria as provas coletadas por ele. O desespero e dor no olhar de Emma diziam que ela já sabia disso.
Ryujin começou a provocá-la afirmando que o único jeito de ela conseguir alguma coisa seria entregar o seu corpo morto as autoridades e contar tudo que ela sabia sobre ele, incapaz de provar sequer uma palavra por ter o sangue do próprio irmão nas mãos e ainda depois do que ela havia feito com os policiais para me ajudar, repetindo de novo e de novo o quanto ele se arrependia a todo momento de ter como irmã a ‘desgraçada mais sortuda do mundo’ que escapou quase ilesa de todas as suas tentativas de acabar com ela. Se o meu coração já doía com as palavras dele, eu mal podia imaginar o dela. Aquilo ela uma clara declaração de que ele jamais a deixaria conseguir o que queria, nem justiça pelo meu pai e avó e nem fazê-lo pagar e por isso, pensando da maneira mais fria possível para conseguir proferir aquelas palavras com a minha boca, foi a minha vez de propor algo a ela. Sugeri que nós propusemos em troca de todas as provas contra a minha família a sua liberdade e fuga de Costa Branca, ileso e impune de seus crimes, sendo esse o único jeito de realizar pelo menos um de nossos objetivos sem sujamos nossas mãos, jurando a ela que enquanto Ryujin fugiria certo de que nada lhe aconteceria, nós poderíamos nos unir novamente para caça-lo e enfim, fazê-lo pagar por todos os seus crimes. Com as minhas condições, encontrá-lo não seria difícil com as minhas condições financeiras, que poderiam também ajudar a Emma a se livrar de todas as acusações contra ela. O olhar de Emma era indecifrável enquanto ela considerava em silêncio a minha egoísta proposta, voltando o seu olhar a ele, calado porém com o sorriso mais cínico e orgulhoso que alguém poderia ter no rosto em uma situação como aquela. Vê-la enfrentar tal dilema e desistir da sua vingança contra ele lhe dava o mais puro prazer e pesava o meu coração de maneira quase insuportável.
De repente, ela começou a soltar as amarras de seus pés e mãos em silêncio total, enquanto Ryujin sorria também em silêncio, segurando o riso. De pé, diante de nós e depois de me agradecer, Ryujin revelou a localização dos documentos, a qual ele sabia diretamente do meu avô, que provavam todos os crimes ambientais de Aster e o contrato que meu avô havia firmado com um assassino de aluguel chamado Hundred Zwingen, tendo sido ele o homem que estava dirigindo o carro que minha avó viu na noite do acidente. O fato de que minha avó sobreviveu ao acidente atrapalhou completamente os planos do meu avô, o que significava que Hundred Zwingen havia de certa forma falhado no seu trabalho, matando o meu pai mas, não deixando os D’Anthes livres e completamente impunes e por isso, ele mesmo garantiu ao meu avô um contrato que garantiria que nenhum dos dois jamais entregaria um ao outro, estando uma cópia com Hundred e outra com o meu avô, cópia para cada um em caso de uma traição. Emma se recusou a dirigir uma palavra sequer a Ryujin, que saiu correndo para bem longe de nós, rindo e gritando vitorioso pela desgraça e amargura dela. Emma olhou nos meus olhos com tamanha frieza e raiva que me arrepiaram na hora, alegando que depois daquilo, eu já tinha tudo que precisava e que nós não precisávamos mais um do outro, pois ela haveria de resolver tudo sozinha dali para frente, como sempre havia feito e como deveria ter feito desde o começo. Eu tentei insistir mas Emma saiu correndo de mim em direção a estrada, subindo em um ônibus que eu pude ver partindo enquanto corria atrás dela. Desde então, não ouvi sequer uma notícia de Emma ou Ryujin Stern.
Com as provas em mãos, fui ao mundo expor a verdade sobre os D’Anthes, surpreendendo a todos pela minha coragem de me rebelar contra a minha própria família e colocar em risco o meu próprio legado. A prisão de meu avô, Hundred Zwingen e de vários funcionários de Aster estamparam capas de jornais do país inteiro por meses e eu passei a ser visto pela minha própria mãe como um traidor, sendo amaldiçoado por ela por ter feito tudo o que fiz mas, a culpa que realmente me assombrou durante anos depois da condenação do meu avô foi pela proposta que eu havia feito a Emma, jamais sendo capaz de me perdoar, esquecer a Emma e o que eu fiz. Anos mais tarde, eu me formei, me casei, me tornando então um dos melhores e mais renomados oceanólogos da minha geração, conquistando o meu próprio legado mas, mesmo com tantas conquistas, nunca desisti de buscar pelos irmãos Stern, que no fim, acabaram esquecidos e desaparecidos para sempre, vivendo somente e todos os dias na minha mente. Hoje, beirando os meus 70 anos, pai de uma garota tão determinada e corajosa quanto a Emma que eu tanto admirei, tudo que eu espero é que ela tenha encontrado a sua paz e justiça e soubesse do quanto eu sou grato pelos nossos caminhos terem se cruzado naquele dia e por tudo que ela fez por mim. Onde quer que você esteja, Emma Stern, meu coração e esperança seguirão com você enquanto eu viver.